Carta de Princípios

* Documento elaborado em 2009, durante o II Congresso Fora do Eixo junto  ao Prof. Dr. Ioshiaqui Shimbo, uma das principais lideranças de economia solidária do país

Preâmbulo

1. O Fora do Eixo é uma rede colaborativa e descentralizada de trabalho constituída por coletivos de cultura pautados nos princípios da economia solidária, do associativismo e do cooperativismo, da divulgação, da formação e intercâmbio entre redes sociais, do respeito à diversidade, à pluralidade e às identidades culturais, do empoderamento dos sujeitos e alcance da autonomia quanto às formas de gestão e participação em processos sócio-culturais, do estímulo à autoralidade, à criatividade, à inovação e à renovação, da democratização quanto ao desenvolvimento, uso e compartilhamento de tecnologias livres aplicadas às expressões culturais e da sustentabilidade pautada no uso e desenvolvimento de tecnologias sociais.

2. São ainda valores do Fora do Eixo a substituição da noção de interesse pela de valores no cotidiano do trabalho dos artistas, produtores e bandas, a substituição do foco nos produtos pelo foco nos processos, a substituição da racionalidade instrumental pela racionalidade comunicativa (dialógica) nas relações de trabalho e produção artístico-cultural e substituição dos  valores de individualismo pelos valores de associativismo / cooperativismo.

3. Constituem-se em pilares e eixos de atuação do Fora do Eixo o conjunto de estratégias de sustentabilidade, de circulação, de comunicação e de emprego de tecnologias informação, de sonorização, palco e iluminação e software livre.

4. As ferramentas desenvolvidas a fim de dar consecução a cada um dos pilares de atuação do Fora do Eixo devem ser desenvolvidas de forma integrada, orgânica, transversal, interdependente e interpenetrante, de modo a constituir o chamado Sistema Fora do Eixo de Cultura, que tende a suplantar a lógica do modelo ainda predominante de indústria cultural (as majors e seu modus operandi contratual) pela lógica do “mercado médio” cultural, pautado pelos princípios da economia do comum aplicados às cadeias produtivas da economia da cultura.

5. O Fora do Eixo é composto por Coletivos Locais de cada cidade ou município onde exista um núcleo ou célula de produção cultural, denominados de “Pontos Fora do Eixo”, cuja adesão do indivíduo no coletivo é livre, espontânea, esclarecida e consciente. Tais coletivos articulam-se em circuitos estaduais e regionais econômicos, de produção, formação, circulação e comunicação, que se fazem representar por um Colegiado Regional, capilarizando, assim, os preceitos e projetos da rede como um todo.

6. O Sistema Fora do Eixo de Cultura sintetiza o modus operandi de atuação do Fora do Eixo. É integrado por entidades as quais, com suas estruturas de funcionamento, estabelecem um fluxo de atuação integrado e sistêmico em prol do fortalecimento da cadeia produtiva cultura.

7. Para dar vazão a cada um dos pilares de atuação do Fora do Eixo, diversos projetos são desenvolvidos como ferramentas para concretizar aqueles que são os objetivos do FdE.

8. Além dos princípios e valores acima enunciados, os participantes do Fora do Eixo também convencionam quanto à adoção das seguintes diretrizes e premissas, elencadas conforme os enunciados abaixo:

8.1 – Intercâmbio, transversalidade e delegação

a) Formular e colaborar com o desenvolvimento de políticas públicas para a cultura, promovendo a atuação política com identidade representativa do FdE;

b) Estimular as redes sociais municipais, estaduais e regionais com vistas a valorizar as parcerias com outros grupos afins;

c) Integrar e estabelecer uma relação compartilhada com grupos parceiros de princípios semelhantes, redes e movimentos sociais;

d) Incentivar o debate e a formação de fóruns representativos no campo da cultura e afins;

e) Promover o intercâmbio entre os coletivos da rede e com os grupos afins, fomentando a transversalidade das ações do FdE, dos parceiros e das políticas públicas em geral;

8.2- Identidade, Diversidade e Autonomia

a) Questionar e enfrentar as práticas hegemônicas dos modos de produção, circulação e fruição com ênfase no campo da cultura;

b) Respeitar as diferenças e diversidades de condições étnicas, religiosas, culturais, linguísticas, estéticas, etárias, físicas, mentais, de gênero, de orientação sexual e outras;

c) Estimular, difundir e integrar a diversidade das expressões sócio-culturais e artísticas, garantindo espaços de valorização e de respeito a essa diversidade;

d) Promover o empoderamento dos indivíduos e coletivos dentro dos princípios da economia solidária e economia do comum.;

e) Fomentar a produção criativa, autoral, independente do mercado vigente e interdependente entre os grupos afins;

f) Valorizar socialmente o trabalho humano na perspectiva da igualdade de condições e da polivalência individual e coletiva;

g) Equilibrar a relação entre o trabalho manual e o intelectual com vistas a valorização equânime de ambas as práticas;

8.3 – Gestão e Sustentabilidade

a) Fomentar a    criação de moedas sociais nos coletivos da rede;

b) Viabilizar a formação, produção, circulação e fruição, fomentando as trocas de serviços, produtos e saberes entre os coletivos, seus membros e parceiros;

c) Orientar as ações para satisfação das necessidades individuais e coletivas de maneira equânime, justa e solidária;

d) Adotar os critérios de territorialidade no estabelecimento das políticas do FdE;

e) Fomentar o desenvolvimento da cadeia produtiva da cultura, promovendo alternativas de sustentabilidade pautadas no uso de tecnologias sociais e na perspectiva solidária;

f) Fomentar a renovação de frentes de atuação, agentes e tecnologias, estimulando a criação experimental em todo  os processos e produtos associados à atividade do FdE;

g) Promover a democratização e universalização do acesso aos bens e serviços culturais;

h) Estimular ações considerando o impacto ambiental e impulsionar as práticas de preservação, incentivando a utilização sustentável dos recursos renováveis;

8.4 – Inovação e Comunicação

a) Estimular a criação, desenvolvimento e utilização de tecnologias livres, sociais e de código aberto referente ao direito autoral e propriedade intelectual, fomentando o uso de plataformas criadas pelos coletivos  e parceiros;

b) Garantir a difusão, o compartilhamento e o livre acesso às tecnologias do Fora do Eixo bem como outros conhecimentos livres;

c) Valorizar a troca contínua, colaborativa e a atualização de informações entre os coletivos da rede;

d) Estimular as práticas de comunicação livre, bem como parcerias com veículos de informação públicos, comunitários, independentes e outros, que não estejam ligados a grandes grupos ou conglomerados do setor;

8.5 – Formação e Conscientização

a) Estimular a formação e a resignificação contínua do processo, dos coletivos e seus membros, atingindo os agentes internos e externos;

b) Criar ferramentas de formação e qualificação dos agentes, promovendo a multiplicação do processo e do conhecimento cooperativo, solidário e coletivo;

c) Estimular a consciência e a clareza do processo nos indivíduos e coletivos da rede, promovendo a formação crítica dos agentes e do público;

d) Estar sempre alerta;

e) Estimular a disciplina e a liberdade;

f) Estimular a autocrítica, a humildade, a honestidade e o respeito nas relações sociais e ambientais;

g) Valorizar a essência do ser humano ao invés da posse;

h) Criar lastro através do trabalho gerando o equilíbrio entre o discurso e a prática;

i) Garantir a competência técnica dos setores produtivos no desenvolvimento de  suas ações;