“O real não está na saída, nem na chegada, ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”(1). Sendo a travessia movimento, passagem, percurso, restringe a permanência no meio do caminho, a não ser pela “suspensão paradoxal do tempo e da sua orientação”(2). Tal perspectiva, na medida em que retorce o fluxo linear dos acontecimentos provoca vertigem ao deslocar o eixo convencional de leitura do real. Eixo excêntrico que evoca a travessia do Sertão do real.
O eixo Fora do Eixo, o eixo excêntrico, é o ponto de fuga que articula existencialmente a autoconstrução do espaçotempo vivo, orgânico na autoconstrução da narrativa do comum, recriando-se a si mesmo e recriando o comum, com os outros. Relacional, dinâmico, recursivo, autopoiético, cognitivo.
A recursividade explicitada na logo da Rede Fora do Eixo remete para a fundamentação das práticas, das metodologias e das tecnologias sociais da própria Rede, que se expandem e se mesclam a outras. Essa recursividade parece reagir à imposição de um limite, no qual voltar ao ponto de partida faz deste, ponto de chegada e de relançamento para um novo ciclo recursivo.
Inaugural, como se fosse pela primeira vez. Renovando, atualizando e prolongando sua validade enquanto permanece emergência em circuito. A abertura inscrita na logo da Rede Fora do Eixo desafia a apatia e a preguiça – que a muitos acometem -, a se abrirem para “pensar com poder”(3). Pensar com poder é fazer a travessia do conceito à questão. Para fazer perguntas é preciso o compromisso interrogativo de transformar-se em pergunta e questonar a sua própria prática. Pensar com poder é fazer perguntas não conformistas, não para serem resolvidas, solucionadas, mas para serem pensadas. O pensamento, como aponta a logo da rede Fora do Eixo, se abre e se projeta na interrogação. Não tem, portanto, pontos de clausura – não se fecha em limites e fronteiras -, e sempre pode avançar um pouco além, fazendo o caminho ao caminhar. Pensar com poder é Ser Tao.
Na busca de conferir sentido ao viver, as narrativas são narrações de questões. As narrativas da Rede Fora do Eixo apresentam questões para o viver contemporâneo: o comum, as redes de colaboração e compartilhamento, a alteridade que legitima o outro na convivência, o agenciamento de inteligências coletivas multicêntricas capazes de narrativas mobilizadoras, que questionem os fundamentos do modelo vigente de sociedade, e a radicalização dos processos democráticos.
Pensar com poder compreende a disputa de narrativas. Disputa pelo perfil da singularidade tecnológica e, se esta, fará interface amigável com a natureza e com a cultura, integrando-as, pela primeira vez, em defesa do comum. Numa nova ordem possível, construída a partir de uma governança global orientada por este comum. O Fora do Eixo pensa o planeta como Gaia – nossa casa comum – e a humanidade como uma comunidade de destino – na qual estamos todos implicados -, crendo ainda ser possível salvarmo-nos. Comunidades de destino não anulam suas identidades culturais.
Nossa identidade cultural foi forjada, em grande medida, pela participação diversificada em múltiplas redes simbólicas. O Brasil é feito um rizoma, composto por várias redes identitarias, que entrelaçam as pessoas, suas razões e emoções no viver cotidiano. É neste caldo cultural que a Rede Fora do Eixo navega, estimula e promove os espaços simbólicos coletivos, multicêntricos, dinamicamente adaptados a cada realidade local/global ou glocal, sem dogma ou autoridade hierárquica.
Dessa forma, busca-se intervir de modo inovador na relação centro/periferia, ampliando as conexões e o intercâmbio e, assim, as oportunidades de enxergar, perceber, compreender e atuar no mundo, com autonomia e responsabilidade. Tal plenificação de nossas origens e potenciais só pode acontecer no vigor do diálogo verdadeiro, na abertura e escuta pelas quais cada um se torna quem é. As tecnologias sociais/metodologias da Rede Fora do Eixo promovem ainda, o diálogo entre o conhecimento erudito/cienơfico com o conhecimento popular/tradicional, sem injunções.
Para Ser Tão o Brasil e o seu povo devem se encontrar e dialogar. Precisam desejar e fazer a escolha pelo comum em detrimento à apartação, à barbárie da desigualdade. O encontro do Fora do Eixo com o Brasil profundo é o encontro do que “renasce” com o que “resistiu”: encontro intergeracional das práticas colaborativas, solidárias e comunitárias da mestiça e diversa cultura brasileira. Donde possa emergir uma insurreição das consciências para conflagrar um novo Brasil, e mundos possíveis.
Notas:
(1) Guimarães Rosa, em Grande Sertão Veredas.
(2) Clara Rowland, em A Forma do Meio.
(3) Guimarães Rosa, em Grande Sertão Veredas.
Almir Paraca é ativista cultural e deputado estadual pelo PT em Minas Gerais.
Fred Maia é jornalista, poeta e doutorando em sociologia da cultura.