Por Clayton Nobre
Mundo queer. Sebastião, o santo ícone da homossexualidade masculina, ganha nessa imagem (recriada) de Gregório Lopes, o contorno caricato e colorido que somente a experiência afetiva do leitor de outrora poderia averiguar por trás do símbolo sagrado. A fêmea que sorri diante da morte. O santo flechado pela ferocidade da razão e injustiça, patriarcal e machista. Mas o faz de forma sensual e bela, como a delicadeza de seu corpo.
A questão feminina não é uma disputa somente das mulheres. É o cerne que está nessas estratégias – antigas e contemporâneas – de resistência homossexual, por exemplo. O controle que se faz sobre o corpo do homem(!) macho é o mesmo inimigo daquele que desenhava a mulher morta, como as falecidas românticas do século 19. A Ofélia que se mata de amor por seu Hamlet, hoje nos ombros e na mira do bullying de Valesca Popozuda.
O masculino está crise. O feminino, se o enxergamos como este contraponto à civilização masculina do poder e da virilidade, se esforça contra o próprio recalque. Com sua “feminização”, o homem se soma ao protesto das mulheres pela humilhação do pai freudiano. A experiência sensível e o feminino – não o machismo como algumas e alguns feministas insistem em adotar – tornam potente a tática diária de sobrevivência dos homossexuais e mulheres em suas relações sociais e políticas.
No tempo de Gregório Lopes e de outros artistas, restava apelar para a experiência homoafetiva de seus leitores. As estratégias ganharam amplitude, e foram às ruas – ainda que, na minha percepção feminina, o apelo ao afetivo sempre tenha sido a mais bela e potente ação de resistência política.
Enxergar o perfil do inimigo, por mais maniqueísta que isto que possa parecer, talvez seja o exercício mais prático pra complexa compreensão do “novo mundo possível” que queremos. Ele é justo, democrático, laico, coletivo, anti-homofóbico, antirracista. Mas, mais explicitamente a meu ver, é solidário (nasce do sentimento comum) e é feminino e queer – na acepção mais diversa que se pode achar sobre essa palavra: dos esquisitos e estranhos, gays ou lésbicas, bissexuais ou transgêneros.
#ELLAVemAi