Na última semana após a veiculação do Programa Roda Viva sobre a Mídia Ninja e a Rede Fora do Eixo, ambos os projetos foram colocados em evidência e seguem no centro de diversos debates.
Por meio do Facebook, a cineasta Beatriz Seigner e a jornalista Laís Bellini postaram relatos apresentando sua experiência de trabalho com a Rede. Essa nota nos posiciona sobre os pontos citados nos textos.
A Revista Veja iniciou, nesta semana, também uma série de matérias caluniosas e difamadoras contra a Rede Fora do Eixo e a Mídia NINJA. Só na sexta-feira, dia 9, foram publicadas 8 (oito) matérias pelo veículo em seu veículo online e 1 (uma) em seu veículo impresso, na sessão Perfil, intitulada Matéria O NINJA do PT.
Vários indivíduos da rede fizeram uma ampla reflexão sobre os acontecimentos passados. Essa carta foi escrita à muitas mãos e trazem aqui alguns pontos:
1 – Sobre autoritarismo e seita religiosa
As diversas acusações sobre a presença de uma liderança autoritária, projetada em Pablo Capilé é uma tentativa de caricaturizar, desqualificar e neutralizar uma liderança política. A Rede Fora do Eixo, como outros coletivos, organizações é baseado tanto em processos horizontais quanto na valorização de multilideranças. Pablo Capilé é um dos fundadores, conceituadores da Rede Fora do Eixo, que tem multideranças em todos os coletivos.
Tais afirmações desqualificam os demais integrantes dos coletivos da rede e sua autonomia e dinâmicas próprias.
Vale dizer, que as lideranças da rede resultam, como em qualquer outra, da dedicação ao coletivo; e obtêm sua legitimidade e reconhecimento internos de acordo com ela. Mesmo as redes e organizações horizontais se constroem através de lideranças (tácitas ou assumidas)
Causa estranhamento o fato de a revista Veja, cobrar da rede Fora do Eixo uma horizontalidade ainda maior de sua organização, sendo que nem ela, nem a mídia tradicional brasileira, jamais apoiaram este tipo de articulação coletiva, descentralizada e horizontal da sociedade, e tampouco se enquadram nessas características.
Repudiamos também a risível tentativa de classificar as experiências das Casas como seitas religiosas, numa busca explícita de difamar o projeto. A criminalização de experiências dos coletivos e redes com princípios comunitaristas e de valorização da vida partilhada e em especial as Casas, prejudicam não só o Fora do Eixo mas todos que buscam alternativas concretas de colaboração fora dos padrões convencionais.
2 – Trabalho Escravo
Nenhum morador, colaborador, parceiro ou qualquer pessoa relacionada aos coletivos da rede jamais foi submetido a trabalho escravo. A adesão a qualquer atividade e/ou projeto da rede, tal qual a desadesão, é livre, consciente e esclarecida, conforme informa a Carta de Princípios da Rede.
3 – Sobre o Fora do Eixo Card
O Card (nossa moeda complementar) não é uma forma de pagamento de salário e nem remuneração exclusiva pra ninguém. O Card é uma possibilidade de viabilizar as necessidades dos coletivos e seus integrantes a partir de trocas de serviços efetivadas pelas partes.
A moeda social é respaldada na Economia Solidária. Os empreendimentos solidários podem fazer uso dela para garantir seu sustento e desenvolvimento. O fora do eixo é composto de empreendimentos solidários que criaram suas próprias moedas sociais conectadas pelo Fora do Eixo Card, considerando o próprio trabalho e os produtos resultantes dele, sem a intermediação do REAL, como rendimento e instrumento de renda.
O pagamento de alguns cachês tidos como “simbólicos” em REAL, ganham corpo considerável quando somados aos pagamentos em card (divulgação, hospedagens, alimentação, transporte, internet, bebidas, produtos, assessorias, ensaios, produção e tudo que é efetivado para o artista). O Card é uma solução para compensar e complementar a lacuna da remuneração escassa em REAL vivida no cenário cultural.
Muitos shows foram e são pagos em Real (R$), não só provenientes de recursos públicos como de recursos privados. O Card é uma possibilidade oferecida, sem qualquer obrigação de ser aceito. Para encaminhar negociações em Card, é necessário reportar através do mail [email protected].
4 – Relação com partidos políticos e campanhas eleitorais
Nem Pablo Capilé e nenhum integrante direto da rede Fora do Eixo possui filiação, nem alinhamento compulsório a qualquer partido político. Nossa posição se constitui na cultura de criação de espaços de diálogos abertos e transparentes, divulgados em redes sociais e transmitidos ao vivo, na grande maioria das vezes, de acordo com suas possibilidades.
5 – Sobre recursos públicos
Sim, a Rede Fora do Eixo acessa recursos públicos disponíveis através de editais e concursos, e apresenta aos órgãos financiadores relatórios regulares e prestações de contas tal como demanda a Lei.
O atual debate, criminaliza o uso de de recurso público. A rede fora do Eixo, desde os seus primórdios, defende e acredita que Políticas Públicas para a cultura e para a comunicação são fundamentais para o processo de desenvolvimento sustentável do país.
Hoje, lançaremos o portal de transparência da Rede Fora do Eixo e daremos início às publicações de documentos comprobatórios referentes à utilização de recursos públicos, privados e solidários (CARD) pela rede.
6 – O Caso Beatriz Seigner I
A Rede Fora do Eixo é um ambiente de produção colaborativa e compartilhada. Não é uma empresa e por isso não se baseia numa prestação de serviço comercial de distribuição. O que fazemos é construir uma dinâmica de compartilhamento e troca, (própria tanto do comunitarismo quanto da cultura digital) e estimular a circulação de produtos culturais a partir das pessoas e espaços conectados à rede.
O diálogo com a cineasta tinha como objetivo estabelecer uma relação em que a Rede Fora do Eixo ativaria suas conexões e redes para divulgar e exibir o filme em espaços alternativos.
Realizamos as tarefas e serviços necessários para a promoção e distribuição do filme nos pontos de exibição. Nenhum recurso foi cobrado para isso. Telefonemas, produção local para exibição, articulação com cineastas, assessoria de imprensa, produção de peças publicitárias e divulgação das exibições foram feitas sem nenhum custo para Beatriz Seigner.
Isso é a forma como trabalhamos, e identifica o que chamamos de trabalho em rede, que gera os Cards que Beatriz acusa de não ter recebido. Em nenhum momento foi prometido que os Cards seriam entregues a ela como pagamento. Os cards são os serviços que foram prestados e investidos pela rede para fazer o filme circular.
Aplicamos a marca do Fora do Eixo, no filme, partindo do princípio de que havia um entendimento comum com a cineasta Beatriz Seigner, de que essa era a contrapartida natural de todo o investimento realizado que custaria em uma empresa cerca de R$ 50.000,00, ou seja se o Fora do Eixo cobrasse o serviço como uma empresa, a cineasta lhe deveria algo em torno desse valor.
Abaixo segue um relatório ilustrativo das atividades realizadas junto ao seu projeto, o levantamos apenas com o intuito de corroborar com o argumento acima. Adiantamos aqui que o filme circulou em 35 cidades, com 40 exibições computadas, alcançando o público de 1463 pessoas.
A Revista Veja fala em “estelionato” (obtenção de vantagem, causando prejuízo a outrem; utilizando um ardil, induzindo alguém a erro), quando fato é que trata-se de um processo que movimentou trocas de serviço prestados sem custos à cineasta, e em condições acordadas desde o inicio da relação com a rede.
– Relatório Compacto.Cine Bollywood Dream
7. Caso Beatriz II – “Desvio” do cachê (de novecentos reais) do SESC
A sessão do Sesc, que pagava um cachê para o realizador, estava inserida dentro do circuito de 11 datas que o filme iria percorrer, a única com remuneração direta.
Todo o valor do cachê foi gasto com os custos da própria circulação e alimentação da cineasta, garantindo que Beatriz Seigner não teria custos para exibir o filme em 11 cidades. Financeiramente esse era o nosso único acordo e ele foi cumprido.
O pagamento do valor correspondente a R$ 900 reais, em um segundo momento, se deu por entendermos que o valor que ela solicitava receber injustamente, era menor do que a polêmica que Beatriz Seigner ja se mostrava disposta a gerar.
8. Caso Beatriz III – “O Desrepeito a arte e aos artistas.”
A questão apontada pela cineasta que o Fora do Eixo desrespeitaria as artes e os artistas também é completamente improcedente. Na verdade, a questão colocada é sobre a forma que entendemos o artista e a arte. Para o Fora do Eixo este sempre foi um debate importante e estamos travando esta discussão nacionalmente desde que nos posicionamos para o Circuito Cultural Brasileiro. Enquanto a cineasta sustenta sua critica no modelo do artista no centro dos processos culturais, e isso inclusive representa a base de sua defesa da autoralidade, nós, ao contrário, vemos o artista como parte de um processo mais complexo, e que processos e politicas culturais devem ser construídos a partir de sua perspectiva antropológia, e não apenas na centralidade do artista e da arte nos processos. Uma prova disso, é o próprio título do primeiro disco da banda Macaco Bong, um dos grupos artísticos que mais representaram o Fora do Eixo em toda a sua história. Intitulado “Artista igual Pedreiro” este título-lema representava a forma que identificamos a questão. O disco, inclusive, foi escolhido pela Revista Rolling Stone, o melhor disco do ano de 2008, dando mais visibilidade a este debate em todo o setor musical brasileiro. O que se tem então, não é uma questão de respeito ou não a artes, mas uma diferença de abordagem sobre o tema, que no nosso entendimento deve ser vista como natural de sociedades democráticas. Criminalizar e difamar publicamente posições contrárias as suas não é uma forma honesta no nosso entendimento de levar a tona questões importantes para a arte e a cultura brasileira.
9 – Sobre o caso Laís Belini
É importante esclarecer que a experiência da Laís Bellini como moradora da Casa Fora do Eixo SP foi de pouco mais de 3 meses e não de 9 meses, conforme noticiado pela nota da Veja.
O restante dos meses ela passou em vivência no coletivo de Bauru, no qual ela não dirige nenhuma das acusações. É comum alguns jovens de classe média, em cima de expectativas conceituais, ao ingressarem nas casas coletivas, terem dificuldade de adaptação e se desiludirem com a convivência na prática.
A tentativa de desqualificar lideranças, que vem trabalhando há 6, 7 e até 10 anos junto às redes, é equivocada, e demonstra a incapacidade que tivemos, nesse caso, de trocar os saberes de convivências que acumulamos durante os anos de trajetória.
Apesar disso, manifestamos nossa compreensão, e num processo de autocrítica, entendemos que é importante aperfeiçoar os mecanismos pedagógicos da vivência para que futuras situações como a dela não ocorram.
Para elucidar a questão, disponibilizamos o relato da vivência de Luz Anna, que está em vivência há 2 meses junto a Casas da rede:
10 – Sobre o caso Daniel Peixoto
Em 2011, a Música Fora do Eixo realizou centenas de parcerias com artistas de São Paulo, através da Agência Colaborativa e Distro FdE. Prestamos diversos serviços investindo nosso trabalho, sem cobrar remuneração.
Na época, para ampliar as possibilidades de investimentos em suas carreiras, concordamos em tentar abrir uma editora, cientes da pouca experiência com registros e demais necessidades. Daniel Peixoto que parcerizou conosco nessa primeira empreitada, não tinha registro na ABRAMUS e, em virtude da urgência que tinha à época para o lançamento do disco à ocasião, oferecemos um selo parceiro na tentativa de dar celeridade ao processo. Uma vez consentido, fizemos o registro. Mas os números registrados já existiam em nome de uma banda que também era do selo. O erro gerou a necessidade do artista se filiar na Abramus e notificar o ECAD para o problema ser resolvido. Acionamos o artista, explicamos e tentamos resolver amigavelmente.
Lamentamos muito pelos problemas causados. A equipe da Música está há dois meses mobilizada e em contato com o artista para resolver o quanto antes qualquer tipo de pendência. E reitera o respeito ao seu trabalho, que durante todo esse período, colaborativamente, nos somamos a promover. Estamos preparando um relatório final com todas as atividades que nos couberam e nos colocamos à disposição para quaisquer outro esclarecimento.
11 – Relações afetivas
Os integrantes dos coletivos da rede Fora do Eixo não fazem uso de nenhum tipo de manipulação sexual a qualquer pessoa. Não há qualquer tipo de restrição às diversas formas de relações, independente de gêneros, que as pessoas estabelecem dentro ou fora da rede. Amor livre, monogâmico, entre gays, héteros e bissexuais, ou seja, entre qualquer identidade de gênero, são múltiplas visões sobre o tema dentro dos coletivos. Não há posições institucionais sobre isso.
12 – Sobre as relações com o Governo de MG e com o Ministério da Cultura
A forma como o jornalista Reynaldo Azevedo expõe as informações sobre projetos da Rede Fora do Eixo em Minas Gerais explicita claramente o tipo de jornalismo e as reais intenções difamatórias da Revista. Colocar que o governo de Minas Gerais é generoso com a Rede Fora do Eixo ao jogar uma planilha com projetos aprovados em Minas Gerais, demonstra completo desconhecimento da politica cultural no Estado.
Qualquer pesquisa rápida com produtores culturais do Estado pode verificar que a rotina das avaliações dos projetos culturais é de aprovar praticamente todas as propostas enviadas, para que os produtores possam ir ao mercado atrás de captação. Ou seja, a verdade é que o Governo do Estado não é “generoso”, mas tenta implementar uma política pública de cultura para todos os produtores culturais.
Contudo, é importante atentar para uma lógica perversa, pois pouquíssimos projetos conseguem ser captados, o que gera uma efeito sanfona, que vai da esperança à frustração, ano a ano. Inclusive, isso tem sido alvo de calorosos debates no setor cultural mineiro, onde recentemente um projeto de lei abaixando as alíquotas de contrapartida foi aprovado, como tentativa de resolver este problema, a contragosto de parte do setor cultural que queria um debate e mudanças mais profundas e que não atendessem apenas aos interesses das empresas.
Resumindo, apesar dos projetos aprovados listados pela matéria terem sido aprovados no ano de 2012, nenhum foi captado ainda. Eles valem até o final deste ano, e seguiremos trabalhando pela sua captação, pois temos grande confiança no valor cultural dos projetos e nos resultados que eles podem alcançar.
Fica claro aqui, a tentativa do jornalista em manipular informações para forjar uma possível relação entre a Rede Fora do Eixo e o governo de Minas. Uma atitude jornalística desprezível e que revela os reais interesses da matéria: criminalizar movimentos sociais e culturais.
Para registro, devido ao tom escandaloso da Revista Veja na tentativa de desqualificar o projeto, declaramos que estamos abertos a qualquer tipo de auditoria e investigação em nossas contas, e pedimos que os interessados em mais informações entrem em contato, através do email [email protected] ou visitando um dos pontos da rede.
12 – Sobre eventuais ameaças
Nenhum integrante da rede Fora do Eixo ameaçou a cineasta Beatriz Seigner, a jornalista Laís Bellini, ou Fernanda Popsonic, nem qualquer outra pessoa, envolvida ou não nos últimos acontecimentos. Essa é mais uma acusação grave, que deveria ser dirigida aos órgãos competentes.
13 – Sobre a Rede Fora do Eixo
Rede colaborativa e descentralizada de trabalho constituída por coletivos de cultura espalhados pelo Brasil, pautados nos princípios da economia solidária, do associativismo e da cooperação, da divulgação, da formação e intercâmbio entre redes sociais, do respeito à diversidade, à pluralidade e às identidades culturais, do empoderamento dos sujeitos e alcance da autonomia quanto às formas de gestão e participação em processos socioculturais, do estímulo à autoralidade, à criatividade, à inovação e à renovação, da democratização quanto ao desenvolvimento, uso e compartilhamento de tecnologias livres aplicadas às expressões culturais e da sustentabilidade pautada no uso de tecnologias sociais.
14- Considerações Finais
Os coletivos da Rede Fora do Eixo agradecem sinceramente a todas as pessoas, grupos, organizações, redes, viventes, que manifestaram publicamente mensagens de apoio e reflexões durante todos esses anos, e em especial na última semana.
Essa carta foi escrita durante cinco dias, a partir de uma ampla discussão sobre os temas, envolvendo integrantes de coletivos. Estamos abertos a quaisquer outras perguntas, dúvidas, críticas e sugestões.
Lamentamos a todos os ex-integrantes de coletivos Fora do Eixo qualquer transtornos que as vivências possam ter causados. Temos consciência que o debate sempre marcou nossas relações na busca pela coerência entre o discurso e a prática. E que protagonismo de cada indivíduo sempre foi um farol que guiou nossas relações.
Acreditamos que nenhuma rede antes experimentou transparência tão radical em relação às suas dinâmicas coletivas, e temos buscado encarar as críticas como combustível para nossas reflexões e incentivo à reinvenção diária à que nos dispomos. Estamos em processo e temos consciência das dores e das delícias à que estamos expostos.
Hoje (13/08), lançamos no ar um novo site, que conterá informações reunidas sobre a rede Fora do Eixo, e que será alimentado permanente ao longo dos dias, para que qualquer informação que os internautas sentiram falta ou quiserem saber, poderão solicitar em tempo real por skype ou email.
Consensuamos também que se a engenharia de informações da rede estivesse melhor arquitetada, parte das dúvidas já estariam sanadas.
Esperamos que esses episódios possam contribuir para a inteligência coletiva social, tão cara num país ainda tão profundamente marcado por desigualdades, preconceitos e medo.
Estamos à disposição para dar continudade aos debates e outros esclarecimentos necessários. As Casas Fora do Eixo e coletivos estão abertos para pesquisa, vivência e ouvidorias e/ou outros. Para outras informações: [email protected]
Abraços a todos!
Walmir Olivieri cel 992899529